quarta-feira, junho 29, 2005

História para um rapaz que um dia se sentiu asfixiado com o ar…

Era uma vez… mas podiam ter sido muitas porque o mundo é imenso e ninguém me pode confirmar que foi apenas uma vez que aconteceu. Aliás, tenho mesmo a certeza que foram muitas, muitas mesmo. Mesmo assim…
Era uma vez um castanheiro. Bem, era um castanheiro. Mas também podia ter sido um carvalho. Também podia ter sido um pinheiro. Mas pronto era um castanheiro. É que os castanheiros estão agora em flor. Parecem disfarçados! Passa-se por eles e parecem outros. Verdes e amarelos!
Ora este castanheiro vivia num campo sozinho. Como ali nasceu não se sabe muito bem, nem ele próprio se lembra. Diz a sabedoria do povo que os castanheiros demoram “300 anos a nascer, 300 anos a crescer e 300 anos a morrer”. Se fosse verdade verdadinha o que essa gente diz este castanheiro seria no mínimo 66,66% amnésico. Se calhar era! (Será que amnésia dos castanheiros também se mede por permilagens? Malditas permilagens!)
Ora o problema dele não era estar ali sozinho desamparado, enfrentando raios e trovões, rabanadas de vento e granizo igualzinho a cerejas brancas. O problema dele era não se lembrar da sua longa existência. Se o povo tinha razão a questão era grave… Era muito ano sem memória! Era um castanheiro sem memória! A sua memória apenas continha o mundo que o rodeava. Ele olhava o mundo com o tempo e a paciência de uma árvore adulta, e observava como tudo mudava, tudo! Claro que ele também mudava. Mas nunca se tinha dado conta. É sempre muito mais difícil ver isso! As estrias que lhe moldavam o tronco estavam cada vez mais marcadas. A pontinha do ramo que se estendia rumo ao céu já não estava verde. Aquele ramo retorcido estava oco e abrigava um casal de mochos galegos… Mas ele nem dava por isso. No fundo continuava o mesmo, lá mesmo no seu interior onde a seiva corre mais viva e se dedica a desenhar anéis anuais perfeitos e tão sensíveis e conscientes do mundo exterior. Aí permanecia o mesmo.
Mas como o mesmo?
O que era “o mesmo”? Quem era “o mesmo”? “O mesmo” de sempre? E sempre ia até quando? E quando ia até onde? E o remoinho de perguntas enredou-se tão vertiginosamente que os ouriços começaram a tremer cheios de vertigens, até que o castanheiro se descobriu chegar àquele frágil limite do passado em que quase se deixa de existir.
E de repente lembrou-se! Lembrou-se da terra molhada e fofinha e quentinha de um dia azul quente de Primavera. Aquele dia em que um raio de luz o acordou. Aquele dia em que sentiu que o ar o asfixiava e pela primeira vez… respirou!

1 comentário:

Simão disse...

Daquelas histórias eu só se escrevem com o coração.
Obrigado!